segunda-feira, 28 de julho de 2014

Livro, de José Luís Peixoto

Sinopse: Este livro elege como cenário a extraordinária saga da emigração portuguesa para França, contada através de uma galeria de personagens inesquecíveis e da escrita luminosa de José Luís Peixoto. Entre uma vila do interior de Portugal e Paris, entre a cultura popular e as mais altas referências da literatura universal, revelam-se os sinais de um passado que levou milhares de portugueses à procura de melhores condições e de um futuro com dupla nacionalidade. Avassalador e marcante, Livro expõe a poderosa magnitude do sonho e a crueza, irónica, terna ou grotesca, da realidade. Através de histórias de vida, encontros e despedidas, os leitores de Livro são conduzidos a um final desconcertante onde se ultrapassam fronteiras da literatura. Livro confirma José Luís Peixoto como um dos principais romancistas portugueses contemporâneos e, também, como um autor de crescente importância no panorama literário internacional.

A minha opinião: Conhecia pouco de José Luís Peixoto. Umas crónicas na Visão, uns textos soltos nas aulas de português, uma notícia ou outra no jornal ou na televisão, uma frase na Bertrand do Colombo. Parti assim para Livro sem saber muito bem o que esperar. A verdade é que isso foi perfeito. Desde a primeira página fiquei hipnotizada pela sua escrita, tanto coloquial e familiar, como erudita e poética, servindo da melhor forma a ocasião. Raras são as vezes em que, desde o início de um livro, encontro trechos que me apetece reler vezes sem conta, em que o verdadeiro prazer da leitura se encontra em saborear cada palavra lida. Mas esse foi o caso de Livro.

Aliado à escrita sublime, têm-se personagens fascinantes pela sua credibilidade. São os emigrantes portugueses que vêem na França um mundo de possibilidades, onde poderão arranjar emprego, qualidade de vida, felicidade, sendo para isso necessário abandonar o acarinhado Portugal. São os familiares que anseiam por notícias. São os habitantes da vila que se maravilham com os portugueses que retornam nas "vacanças" e trazem notas de mil escudos. Mas, ao mesmo tempo, são também Adelaide, Ilídio, Cosme, Josué, a velha Lubélia. Primeiro, as suas expectativas e resistência contra as adversidades, depois a desilusão e o cansaço até que uma carta, um olhar, um acontecimento, um regresso renovem a sua vontade de persistir.

[a parte sublinhada deve ser lida apenas se já leu o livro] Claramente dividido em duas partes, na primeira tem-se o contacto com as personagens da vila, o abandono de Ilídio pela mãe, o despertar do amor entre Adelaide e Ilídio, as suas idas para França, separados. Um retrato de uma vila portuguesa, com as suas pessoas generosas e mesquinhas, com traços humanos intemporais. Aqui, tem-se uma narrativa romanceada, mas realista.  Na segunda parte, tem-se uma descoberta que pode mudar por completo o significado de Livro. Na minha qualidade de leitora sem grandes conhecimentos de correntes literárias, foi a princípio estranha a mudança para um narrador que interpela o leitor, se auto-critica, auto interrompe e reflecte. Porém, a obra adquiriu um novo significado. Ao saber que o livro que lemos é o livro que a mãe deu a Ilídio, Livro torna-se mais que um mero romance, mostra que um livro é mais que palavras escritas, são lembranças, são significados que lhe conferimos ou um meio de comunicação. De referir que, durante todo o livro, vão aparecendo aqui e ali umas pontas soltas e poucos são os acontecimentos escarrapachados no papel. Mas assim é a vida, muitas explicações aparecem depois dos acontecimentos terem lugar, outros ficarão para sempre por explicar.

Não vivi em primeira pessoa o tema relatado. Porém, em Agosto, a minha aldeia está repleta de emigrantes franceses, alguns da minha família. Cresci a ouvir falar bastante da emigração, do bom, do mau. Livro trouxe de volta essas lembranças, deu vida novamente aos portugueses cuja descendência se sente agora francesa ou mesmo àqueles que não singraram. Após ler a última página, penso que essa era mesmo a intenção do narrador, porque enquanto as palavras são lidas pelo leitor, a realidade a que remetem existe.

Classificação: 9/10 - Excelente

sábado, 19 de julho de 2014

A rapariga que inventou um sonho, de Haruki Murakami

http://www.sitiodolivro.pt/pt/livro/a-rapariga-que-inventou-um-sonho/9789724617909/
Sinopse: Em A Rapariga que Inventou Um Sonho, o autor do best-seller Kafka à Beira-Mar envolve a fantasia com a mais natural das realidades. Do surreal ao mundano, estas histórias exibem a sua habilidade de transformar o curso da experiência humana na mais pura e surpreendente arte literária.
Há corvos animados, macacos criminosos, um homem de gelo… Há sonhos que nos moldam e coisas que sempre sonhámos ter… Há reuniões em Itália, um exílio romântico na Grécia, umas férias no Havai… Há personagens que se confrontam com perdas dolorosas, outras que se deparam com distâncias inultrapassáveis entre os que querem estar o mais próximo possível.
Quase todas as histórias são melancólicas, com personagens submersas pela solidão. Murakami junta os seus temas favoritos: os acontecimentos inexplicáveis (o tal toque de fantástico que provoca por vezes a sua inclusão na corrente do realismo fantástico), as coincidências, o jazz, os pássaros e os gatos. Tal como foi escrito no Los Angeles Times Book Reviey, "Murakami abraça o fantástico e o real, cada um com a mesma envolvência de intensidade e luminosidade."

A minha opinião:  Não me considava uma fã de contos. Sempre preferi romances que, por serem mais longos, eram, a meu ver, mais ricos no que dizia respeito ao estabelecimento duma ligação com as personagens/história. Foi por isso que, quando peguei neste livro há uns meses atrás, li apenas o primeiro conto e deixei-o de lado.

Por alguma razão decidi retomá-lo e, desta vez, não consegui parar. Corrijo, a leitura em si não foi rápida, afinal de contas, trata-se de Murakami e os contos que mais me chamaram a atenção exigiram uns momentos de reflexão pós-leitura. Acontece, porém, que houve uma interseção entre o meu estado de espírito e a atmosfera surreal murakamiana de tal modo que o primeiro conto acabou por ser um dos meus preferidos.


Quem conhece Murakami reconhecerá muitos elementos dos seus romances nesta coletânea de contos. No entanto, por serem mais curtos, têm, a meu ver, um maior poder de desconcertar o leitor. As palavras e os sentimentos adquirem um maior significado, os acontecimentos menor importância. Cada conto apresenta em poucas páginas uma história de 2 ou 3 personagens, onde são na verdade a solidão, o medo, o arrependimento ou a melancolia dessas mesmas personagens os verdadeiros protagonistas. E só assim é que, imediatamente, há contos que nos dizem tanto, apesar de nada do que está relatado ser semelhante ao que vivemos.

Destaco os contos "A rapariga que inventou um sonho", A Menina dos Anos","A História de uma tia pobre", "O Sétimo Homem", "Tony Takitani". Todos eles encerram poderosas mensagens sobre a nossa visão do mundo, os desejos, a crueldade do esquecimento, o perigo de não enfrentarmos os nossos medos ou a solidão profunda. 
Não diria que os outros contos não devam ser referidos, mas numa coletânea de 24 contos, há claramente contos que nos apelam mais que outros.

Murakami é um autor que recomendo, ainda que, para primeiro contacto, Sputnik, Meu Amor ou A Sul da Fronteira, a Oeste do Sol me pareçam mais adequados.

Classificação: 8/10 - Muito Bom

terça-feira, 8 de julho de 2014

A Laranja Mecânica, de Anthony Burgess

Sinopse (contracapa): Edição comemorativa 50º aniversário da primeira edição de um dos grandes clássicos literários sobre futurologia do Século XX, comparável a obras com 1984 ou o "Admirável Mundo Novo". Imortalizado também no cinema pela mítica adaptação de Stanley Kubrick, é uma obra ímpar e de indispensável leitura, já que nem sempre a versão cinematográfica coincide com o texto do romance. Além disso esta edição Inclui material inédito: textos e ilustrações do autor, assim como ensaios sobre a obra e a sua polémica Narrada pelo protagonista, esta brilhante e perturbadora história cria uma sociedade futurista em que a violência atinge proporções gigantescas e provoca uma reposta igualmente agressiva de um governo totalitário que então domina a sociedade. Os processos utilizados e as fantásticas e inesperadas conclusões ainda hoje são tão polémicas como actuais.


A minha opinião: A Laranja mecânica é uma referência nas distopias, colocada injustamente ao lado de 1984 ou Admirável Mundo Novo. A meu ver, esta comparação é tão adequada como colocar o Drácula ao mesmo nível que o Crepúsculo.

Passo a explicar. Numa primeira parte, A Laranja Mecânica apresenta uma sociedade futurista promissora do ponto de vista distópico. Desde o início se cria uma repulsa pela violência despropositada que Alex e os seus "drucos" - amigos- praticam como forma de entretenimento nas suas saídas nocturnas. Esta repulsa provém não só dos próprios atos descritos, mas também do bom trabalho ao nível da narração que transmite a ideia da violência como algo não só natural para estes adolescentes, mas principalmente como algo justificável e sublime. Certamente, haveria muito por explorar, principalmente quando Alex - o narrador - é preso e, como forma de o correção, através de tratamentos de choque, criam nele uma repulsa física completa pela violência, de modo a que ele já não possa escolher o bem, mas sim seja obrigado a não escolher o mal, por todo o constragimento físico que o simples pensar na violência lhe provoca.

Sem dúvida somos levados a pensar, numa primeira análise, se é de algum modo justificável retirar o livre-arbítrio de uma pessoa, para a impedir de praticar o mal. Porém podemos, numa segunda análise mais introspetiva, tentar perceber até que ponto é assim tão diferente escolhermos o "bem" não porque seja essa a nossa verdadeira opção, mas sim porque, por alguma razão, impigida social ou legalmente, nos impele a não escolher o mal.

No entanto, ainda que com o argumento promissor, a leitura ficou muito aquém.  A utilização do "nadescente"  - calão dos adolescentes - ao longo da narrativa foi, para mim, excessiva e desinteressante. Ao longo do livro o leitor habitua-se, mas confesso que, para mim, não acrescentou rigorosamente nada ao livro, antes pelo contrário. Aliás, não fosse o livro tão famoso e tê-lo-ia largado nas primeiras páginas quando percebi o uso que o nadescente iria ter.

Mas o pior foi a própria condução da narrativa. Todo o livro parece querer que o leitor repudie a violência de uma forma tão óbvia, o que se torna completamente desinteressante. Não há assim espaço para uma verdadeira construção da personagem do narrador, ou visão ligeiramente mais geral da sociedade em questão. Parece assim que o livro tem apenas o propósito de criar uma reação imediata no leitor, demasiado primitiva na minha opinião.

Este livro foi um pesadelo para acabar. Mas acima de tudo uma grande desilusão.

Classificação: 5/10 - Razoável

Sinto me na obrigação de fazer a ressalva que apenas o potencial (não desenvolvido) é a razão pela qual classifico quantitivalmente com esta pontuação.