segunda-feira, 18 de março de 2013

Os Maias, de Eça de Queiroz

Os Maias, de Eça de Queiroz, a obra que dispensa apresentações.

Fazendo parte do programa de português do 11º ano, já há muito tempo que estava mentalizada que teria de ler o livro obrigatoriamente quando lá chegasse. E estava quase certa que não ia gostar, precisamente por este rótulo de obrigatório aliado às várias frases que se ouvem de que a história até é gira, mas o Eça descreve demasiado ou li até à página 100, mas mais não consegui ou era demasiado aborrecido, mas também não te preocupes, não precisas de ler tudo... 

Aviso já que aqueles que vieram aqui para um resumo ou crítica d' Os Maias, voltem para trás. Peguem no livro, vão com vontade de ler e dêem uma oportunidade a uma obra cuja imagem entre os jovens não lhe faz, de todo, justiça. Começar a ler, quando é obrigatório, para mim é o mais difícil, mas no caso d' Os Maias, ao fim de 20 páginas, já me tinha esquecido de que o lia para uma disciplina, de tal maneira estava mergulhada no mundo e escrita queirosianos, na sociedade lisboeta do século XIX.

"A casa que os Maias vieram habitar em Lisboa, no Outono de 1875, era conhecida na vizinhança da Rua de S. Francisco de Paula, e em todo o bairro das Janelas Verdes, pela Casa do Ramalhete, ou simplesmente, o Ramalhete." É assim que começa esta obra, merecidamente uma referência na literatura portuguesa, cuja história fica para sempre gravada na memória dos leitores e cuja escrita prima pela qualidade e pela exatidão na descrição.*

Os Maias têm uma intriga que poderia facilmente ser resumida em poucas frases, porque o objetivo para Eça de Queiroz não era escrever uma novela para ler aos serões. Inserida no realismo, a obra pretende acima de tudo, criticar a sociedade. A história da família Maia, principalmente de Carlos, entretém, sem dúvida, mas este entretenimento serve apenas de pretexto para Eça fazer um retrato minucioso da alta sociedade portuguesa, criticá-la e expôndo-a tal como era. 

De facto, apesar de ter uma história cativante e personagens interessantes, estas não seriam suficentes para preencher 700 páginas. A vida de Carlos da Maia, os seus devaneios com a condessa Gouvarinho, a paixão por Maria Eduarda ou os seus encontros sociais com João da Ega, Alencar e outros têm um certo interesse, deixando o leitor com saudades quando abandona a Lisboa de Carlos da Maia. Porém, é preciso outro conteúdo, que nos é dado em pequenas (grandes) interrupções no primeiro plano da ação, dando lugar a debates acesos sobre a educação, a política, a literatura, as finanças, entre outros. E é então nesses momentos que o leitor se depara com a falta de cultura e de civismo da elite, a corrupção, a ausência de espírito crítico, o conservadorismo, o atraso e o ridículo em que cai a classe portuguesa.


É assim que a crónica dos costumes impressiona. É assim que o retrato das camadas mais abastadas e a crítica impiedosa de Queiroz fazem de um livro de novela uma obra imponente e intemporal. Porque o facto de Carlos se apaixonar pela irmã não choca já ninguém, o leitor é até preparado para isso, o que choca, sim, é o incesto consciente que assistimos no final do livro, praticado por uma pessoa submetida a uma educação rigorosa, pertencente à alta sociedade, que, no entanto, no dilema, sucumbe à paixão em detrimento da moral. 

Classificação : 9/10  - Excelente

*Convido os leitores a fazer os passeios queirosianos em Lisboa e Sintra e constatarem que, ao levar o livro, as descrições de Eça espelham nitidamente o local onde nos encontramos.